Os cantores Renato Teixeira e Sérgio Reis são velhos amigos. Vizinhos, se conhecem desde a década de 1960 e juntos ajudaram a moldar o que ficou conhecido como a música sertaneja. Agora, eles lançam Amizade Sincera, um CD e DVD gravado ao vivo, onde juntos interpretam clássicos da música brasileira (rural, caipira, sertaneja, folclórica), como Romaria, de Renato, Menino da Porteira, de Sérgio, Trem do Pantanal e Comitiva Esperança, entre outras.
Falando com o Terra, Renato transformou a entrevista em uma verdadeira "prosa", relembrando o início de carreira, a amizade com Sérgio, sua visão sobre o sertanejo do passado e do presente, e a atual crise da indústria fonográfica. Logo de saída elecontesta o rótulo "sertanejo de raiz", e diz que faz música folk. "Não digo que a gente faz música de raiz, não gosto desse temo. Prefiro falar que a gente faz uma reinterpretação da música folk brasileira, das baladas passadas de geração em geração no interior do Brasil. É uma postura diante do mercado global, cantar as coisas que o povo diz. Como a gente nasceu com isso, musicaliza. É aquela coisa do pessoal da roça cantando enquanto trabalha", explica.
Influência da MPB
Ele relembra o início de carreira e o encontro com o amigo Sérgio Reis. "Eu apesar de caiçara, nascido em Santos, fui criado em Taubaté, no interior. Cresci em uma família de músicos, ouvindo MPB, samba, mas quando comecei pensava: 'eu sou lá de Taubaté nunca vou conseguir fazer um samba como o Paulinho da Viola, falar do mar como o Caymmi. Minha história é interiorana, tenho que falar sobre isso'. Foi daí que veio Romaria, por exemplo, que é uma releitura disso. Já o Sérgio veio da Jovem Guarda, aprendeu aquela linguagem, e quando assumiu essa coisa mais rural, buscando o repertório mais original, ele fez com esse filtro da jovem guarda. Nós dois interferimos nesse repertório, cada um por um caminho, e acabamos ficando amigos", lembra.
Renato é taxativo: "A música do interior sempre foi relegada, não precisava ser assim. Descobri que a música da cultura caipira tinha coisas para dizer. Compositores como João Pacífico estão no mesmo nível do Nelson Cavaquinho, do Cartola. Bom, não sei se dá pra falar isso, mas é por aí", brinca. "Você vê que no interior do Estado de São Paulo tem uma qualidade de vida para você se desenvolver, tem o clima, a tranqüilidade, mas cadê o cantor pra interpretar isso? Eu me perguntava isso lá atrás", afirma. Ele explica que procurou trazer um pouco do "molejo" do samba e da MPB para a música caipira. "Os cantores sertanejos geralmente são muito 'duros', acho que o sertanejo precisa desse molejo do samba. Essa pincelada de MPB acho que foi minha maior contribuição."
Sobre o atual estágio da música sertaneja, muito popular e profissionalizada, que reflete o próprio desenvolvimento do interior do Brasil, ele filosofa. "O ser humano adora uma aglomeração, 'festar'. O cara quer ir pra rua bater tambor, paquerar. E com a música sertaneja de fundo, você se sente mais 'em casa'. Vê o show do Paul McCartney, lá o cara tá na casa dele. Fazer festa é coisa do instinto humano, e essa música sertaneja atual é ideal para isso. Acaba desenvolvendo um mercado, porque a cervejaria quer vender, a empresa de celular quer vender, tem a menina bonitinha..."
Novo Sertanejo
Mas ele não deixa de ter críticas sobre a música atual. "Esse negócio de sertanejo universitário é um rótulo, inventaram para colocar como uma sequência daqueles sertanejos de antes, que é 80% banalidade. Poderiam chamar de 'sertanejo moleque'", brinca. "Vai chegar uma hora em que a humanidade vai cansar desta banalidade. Como rolou nos anos 50 com a bossa nova, nos anos 60 com toda aquela geração que revolucionou, e até antes, nos anos 20, com o Pixinguinha, Noel Rosa, uma hora vem a ruptura."
Ele enfatiza que vê com bons olhos o profissionalismo e a força da nova geração sertaneja, mas admite que não é sua "praia". "Eles mandam bem mesmo, a produção é boa, a estrutura, o som, o profissionalismo. Mas pra mim não funciona tocar em rodeio de Barretos, essas coisas. Eu bato o tamboro do coração, que tem a ver com nossa cultura, nossa vida. Meu show é mais uma coisa de ficar em casa, um convite à reflexão", diz. Mas afirma que muitos jovens também procuram conhecer sua música. "Se for analisar a faixa etária, diria que 60% é gente de 40 anos pra baixo. Mas é gente que não vai atrás de modismo, querem ver a música mesmo, mostrar pro vovô essa linha que une a família, eu reparo isso e não é de agora. Mas claro que com os velhinhos é jogo ganho, que nem roubar doce de criança".
Pirataria e internet
Renato afirma que os discos estão vendendo muito bem e ele e Sérgio já estão com a agenda de shows lotada. "Graças a Deus está indo muito bem. Eu vi outro dia e estava entre os cinco mais vendidos. Acho que agora no final de ano vai ser muito bom. Até criamos um slogan: 'dê Amizade Sincera pro seu amigo oculto", brinca. Sua visão sobre o futuro da música enquanto negócio é otimista. "As novas gerações valorizam essa exigência em relação à qualidade, à letra, à melodia, à poesia, e isso vale também para a embalagem. Pode baixar na internet, pode comprar o pirata, mais se ver o produto bonitinho, com qualidade, capa legal, ele compra. Eu digo que o pirata é que nem a ditadura, não dura para sempre."
Fonte: Terra Música