O cantor, compositor e violinista brasileiro João Bosco está em Portugal para dois concertos, a decorrerem na Aula Magna, em Lisboa, e na Casa da Música, no Porto. O Palco Principal foi ao encontro daquele, que é uma das figuras mais marcantes da Música Popular Brasileira, para saber um pouco mais sobre o seu brilhante percurso nesta área, os espectáculos que irá protagonizar em Portugal e, também, sobre o seu mais recente trabalho discográfico, "Não vou pro céu, mas já não vivo no chão", recentemente chegado às lojas. Confere aqui a entrevista!
Palco Principal - Como surgiu a música na sua vida?
João Bosco – Na minha opinião, team de futebol, escola de samba e profissão nós não escolhemos. Pelo contrário: somos escolhidos. Desde que me lembro, que a música está do meu lado. Atravessou a minha infância, a minha época de garoto, de estudante, as minhas viagens… Sempre me acompanhou. Não me recordo de nenhum momento em que a música não estivesse ao meu lado. Contudo, até certo momento da minha vida, não a encarei no sentido profissional, como profissão, mas sim como existência em si mesma.
PP – Precisamente por não a ter encarado, até um certo momento da sua vida, como uma possível profissão, é que enveredou, aos 18 anos de idade, por um curso de engenharia metalúrgica na Faculdade de Metalurgia de Ouro Preto?
JB – Exactamente. Até porque, nos anos 60/70, a música não era algo passível de sustentar ninguém, não era algo a partir do qual pudéssemos, à partida, gerar um rendimento, que nos permitisse viver.
PP – Contudo, após a conclusão do curso, optou por fazer da música o seu ofício…
JB – Efectivamente. Por mais estranho que possa parecer, o curso de engenharia submetia-me para uma reflexão musical, não tivesse a música um pouco de matemática, na aprendizagem dos compassos, por exemplo. Assim, enquanto cursei engenharia, sentia que estava a praticar, também, um pouco de música. No entanto, quando terminei o curso e entrei para o mercado de trabalho, deixei de sentir essa satisfação. E só aí comecei a pensar em investir na música como possível profissão.
PP – Deu os primeiros passos, profissionalmente, no mundo da música como compositor e, só mais tarde, começou a apostar na sua voz, numa carreira como intérprete. Com qual das facetas se identifica mais: emprestar as suas composições às vozes de outros cantores (como sucedeu, por exemplo, com Ellis Regina) ou interpretá-las você mesmo?
JB – Houve uma época em que as composições que fazia iam directamente para os cantores. Cedia-lhes as letras dos temas e não me preocupava mais – uma opção que funcionou de forma brilhante, por exemplo, com Ellis Regina, tornando-se uma experiência deveras enriquecedora. Entretanto, as duas funções começaram a fundir-se: os compositores começaram a interpretar, e os intérpretes começaram a compor. E eu limitei-me a seguir esse rumo. Para tal, comecei a depositar mais atenção nas composições que fazia, de forma a atender às exigências vocais, como as oitavas ou os falsetes. E essa transição acabou por acontecer de forma muito natural, muito espontânea. Hoje em dia, são as duas artes juntas que me fazem sentir realizado: a composição e a interpretação.
PP – O que sobressai no seu novo álbum, “Não vou pró céu, mas já não vivo no chão”?
JB – Neste disco, a canção está, mais do que nunca, em primeiro plano. É um registo que revela uma enorme suavidade, uma enorme simplicidade – uma simplicidade que se procura depois de muita caminhada, de muita experiência profissional. Na verdade, não tenho memória de outro disco meu com tamanha simplicidade, onde a essência é o que realmente importa. Já gravei, em tempos, dois álbuns só com voz e violão, mas mesmo esses tinham uma energia e exuberância muito presentes. O “Não vou pró céu, mas já não vivo no chão” é bem mais sereno, mais tranquilo. A minha interferência nas músicas é mínima. É celebrada a canção na sua forma original.
PP – Há alguma sonoridade que ganhe destaque especial na obra?
JB – O disco reúne muitos «Joões»: «Joões» do presente e «Joões» de épocas passadas; um João influenciado por sonoridades africanas; um João mais barroco (como o João de Alma Barroca, de Navalha); um João mais clássico (como o João de Perfeição, de Pintura). Mas, mesmo a nível de sonoridade, o que ganha realmente destaque no disco é a sua contenção, a sua elegância.
PP – “Não vou pró céu, mas já não vivo no chão” marca o reencontro com Aldir Blanc, seu parceiro de composição no início de carreira, com quem criou êxitos como O Bêbado e a Equilibrista ou Bala com Bala. Como é voltar a trabalhar com Aldir, 20 anos passados do vosso último contacto profissional?
JB – Penso que o tempo em que trilhámos caminhos separadamente em nada mudou a nossa relação, que continua assente numa grande amizade, numa grande afeição, por vezes fraternal. Reencontrá-lo foi, sem dúvida, reencontrar um grande amigo, relembrar óptimos momentos. Apesar de termos feito, há muitos anos atrás, canções que marcaram a música popular brasileira, não é nossa preocupação fazer, agora, algo com as mesmas repercussões. Não é esse o objectivo que nos move. O objectivo é, única e simplesmente, comemorar a longevidade da nossa amizade.
PP – Participa, também, na composição do novo álbum o seu filho, Francisco Bosco. É a química entre pai e filho que dita o sucesso dos vossos temas?
JB – O Francisco é um grande amigo que eu tenho. Mas, no que respeita a composição, não é mais nem menos do que os outros meus parceiros, até porque a fórmula da composição é sempre a mesma: pensar e repensar a canção até esta atingir a unidade. Quando se compartilha a composição com alguém, convém não perder esse objectivo de vista. A canção não se pode dar como concluída, antes de estar fundida, de ser única. E com o Francisco não é diferente. Nas parcerias, só mudam as pessoas. A maneira de as concretizar é sempre igual.
PP – Com 37 anos de carreira, o que lhe falta conquistar no mundo da música?
JB – Considero-me feliz com tudo o que tenho conquistado, até mesmo com o ritmo da conquista – um ritmo não apressado, ponderado. Contudo, não posso negar que tenha alguns projectos ainda por concretizar – projectos que envolvem grandes músicos brasileiros. Quem sabe não os concretize no próximo ano, quando gravar um DVD ao vivo.
PP - O que pode esperar o público português do concerto na Aula Magna?
JB – Vai ser um espectáculo retrospectivo, dedicado a um público conhecedor do meu trabalho, onde vou tocar músicas de outras épocas em quarteto, duo e solo. Tenho as melhores expectativas para este concerto. É sempre óptimo estar em palco, interagir com o público, estabelecer toda uma relação de emoções.
PP - Acompanha, actualmente, algum projecto de música portuguesa com mais atenção?
JB – Conto actualizar-me nessa área quando estiver em Portugal. Tentarei, inclusive, levar comigo para o Brasil alguns exemplos do que melhor se tem feito em Portugal nos últimos tempos. Contudo, posso desde já confessar uma grande afinidade que sinto com o fado. Como é costume dizer-se, no Brasil toda a música tem origem no samba…o mesmo acontece em Portugal, relativamente ao fado: são matrizes culturais, das quais derivam todas as gerações de músicos.
Fonte: Palco Principal