O título não é pista falsa. É a jovem guarda de Roberto e Erasmo Carlos --e também a de Odair José, dos Beat Boys, do Del Rey, de Frank Jorge e, sim, a dos Tribalistas e dos Titãs-- que dá norte a "Iê Iê Iê", o novo álbum de Arnaldo Antunes.
O cantor Arnaldo Antunes posa para foto na sala de sua casa, no bairro de Pinheiros
Ouvem-se, espalhados por suas 12 faixas, o mesmo timbre dos teclados mequetrefes que eram usados na nossa música pop daqueles meados de anos 60, a mesma levada "nheco-nheco" das guitarras, os mesmos corinhos de "uh-ah-uh" por trás dos arranjos vocais.
Nenhuma canção, porém, foi pescada daquele universo. Não há repertório clássico, nem releituras. Todas as músicas são inéditas e foram compostas por Antunes com seus parceiros. Na maioria, há pouco tempo.
"Tem gente que faz disco de samba, de reggae, de funk. Escolhi um gênero do qual não se fala mais desde a época em que ele surgiu. Um gênero que ficou restrito a um tempo", diz. "Com o surgimento do punk, do heavy metal e das bandas dos anos 80, o rock foi se tornando mais berrado e perdeu suas características melódicas. Ficou cada vez mais distante da canção. O iê iê iê, ao contrário, sempre ressaltou as melodias."
Ainda que, desde sua gênese, "Iê Iê Iê" tenha sido tratado como um álbum "de gênero", Antunes ficou atento para que o trabalho não soasse saudosista nem datado, como se tivesse sido feito nos anos 60.
Para encontrar essa sonoridade, que se equilibra em algum lugar entre a memória e a invenção, contou com a providencial ajuda de Fernando Catatau, líder da banda Cidadão Instigado, que produziu o disco inteiro e toca sua inconfundível guitarra em algumas faixas.
Para as outras, entraram em cena Chico Salem e Edgard Scandurra, colaboradores habituais nos discos do ex-titã. O baixo ficou a cargo de Betão Aguiar e a bateria, de Curumin. Os órgãos vintage são tocados por Marcelo Jeneci.
Jeneci é coautor de duas canções, "Envelhecer" e "Longe" --esta última já toca no rádio e tem videoclipe no ar. Outras duas, a que intitula o álbum e "Vem Cá", foram compostas com os Tribalistas Marisa Monte e Carlinhos Brown. E as três que fecham "Iê Iê Iê" são parcerias com os Titãs.
Com seu sabor de "Sonífera Ilha" ou de algum outro roquinho leve do primeiro álbum da banda que projetou Antunes --e, veja só, já se chamou Titãs do Iê Iê--, "Luz Acesa" foi composta por ele e seus colegas Sergio Britto e Marcelo Fromer.
Ela faz parte de um repertório composto --e nunca lançado-- pelos três em 1987, ao mesmo tempo em que a banda gravava "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas".
"Era um projeto paralelo que nunca veio à tona. Nos intervalos das gravações, a gente se reunia pra fazer músicas mais populares", conta. "Éramos loucos pelos cantores do rádio AM, dos programas de auditório. E misturava isso às influências que tínhamos do punk, das histórias em quadrinho."
"Iê Iê Iê" tem muito disso. E, num paradoxo bem ao gosto do artista, traz Arnaldo Antunes, aos 49 anos, fazendo o som mais adolescente que sua carreira solo foi capaz de conceber. A letra de "Envelhecer" diz muito sobre esse momento.
"A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer/ (...)/ Pois ser eternamente adolescente/ Nada é mais demodé". Roberto e Erasmo, pode apostar, concordam com isso.
Fonte: Folha Online