Capa do LP 'Maior Abandonado', do Barão Vermelho
A vida veloz e cortante como um raio. Um relâmpago de poesia que iluminou a música brasileira pelas janelas escancaradas do rock. Vivendo cada minuto de seus 32 anos no planeta, Cazuza cantou como ninguém a dor e a delícia de sua geração. Pois aquele garoto que ia mudar o mundo, desejando todo amor que houvesse na vida, completaria 50 anos na próxima sexta-feira, 4 de abril.
Entre as homenagens ao compositor, morto em 1990, vítima da aids, será lançado um DVD com imagens inéditas. Além disso, um show reunirá Caetano Veloso, Sandra de Sá e Ney Matogrosso, entre outros amigos e parceiros que se emocionaram em depoimentos à TDB.
Doido, amoroso, explosivo ou doce. Os adjetivos transbordaram sobre um consenso, espelhado na cadeira vazia que permanece intocada no acervo do compositor: Cazuza é insubstituível. "Quem não o conheceu de perto não tem a noção do tamanho de seu coração. Cuidava de mim, e um dia derrubou com um tapa o copo de uísque que me ofereceram na gravidez. Ele ficou marcado como doidão porque ser verdadeiro é f...", afirma Sandra de Sá.
Uma das melhores amigas de Cazuza, padrinho de seu filho, a cantora aparece em duas fotos na cortiça do cantor, preservada no acervo que está aberto a visitas marcadas na Sociedade Viva Cazuza.
Outro que figurava na parede sobre a máquina de escrever 'Olivetti Lettera 82' do poeta, ex-namorado e grande amigo, Ney Matogrosso incluiu duas canções de Cazuza em seu disco recém-lançado - O Tempo Não Pára e Por Que a Gente É Assim - e garantiu presença no grande show que está sendo acertado para o início de maio.
"Lembro de Cazuza na intimidade, na cozinha de minha casa: doidão e no extremo oposto da imagem de arruaceiro. Tinha um lado muito doce que não revelava. Acreditava que isso seria sinal de fraqueza, mas não era", diz Ney.
O intérprete foi um dos responsáveis pelo estouro do Barão Vermelho ao gravar, em 1983, Pro Dia Nascer Feliz, hino de Cazuza e Roberto Frejat - já defi nidos como 'Mick Jagger e Keith Richards do rock nacional'. Foi com o rock do Barão que Cazuza encontrou sua tribo e descobriu que as poesias que escrevia desde menino poderiam ser letras de música.
"Com certeza ainda estaríamos compondo muito. A química da parceria até hoje me surpreende, foi um desses presentes que o destino nos reserva. Depois que ele saiu do Barão, nos encontramos procurando de novo aquela combinação e fizemos coisas como Ideologia, para mim o melhor disco dele", afirma Frejat, 45 anos. "Cazuza faz muita falta, para redigir e articular esses novos tempos difíceis, a hipocrisia das pessoas", completa.
E o baterista Guto Goffi, 45, fundador do Barão e parceiro de Cazuza em canções como Vem Comigo, acrescenta: "Foi a primeira vez que o rock brasileiro falou 'é', em vez de 'yeah'. Ele fazia poesia de navalha".
Também parceiro na música citada e integrante da primeira formação da banda, o baixista Dé, 41, define: "Cazuza conversava com o mendigo e com o 'jet set', era um catalizador. Misturava champanhe com traçado, mortadela com caviar". Foi com o amigo e Bebel Gilberto que Dé compôs Eu Preciso Dizer Que Te Amo, pérola do popromântico brasileiro.
A cantora Ângela Ro Ro, grande companheira de boemia e eventuais escândalos, lembra a convivência com o amigo e ressalta a coragem demonstrada por ele quando tornou-se o primeiro artista a assumir publicamente a aids.
"Estávamos no Baixo Gávea quando passou a (atriz) Arlete Salles. Ele se jogou no chão a seus pés e começou a falar poesias. Foi a única pessoa que conseguiu me deixar constrangida. Botava a bunda de fora na janela do carro, eu me sentia careta", conta Ângela. "Mas me deu motivos maiores de espanto quando tomou as rédeas de sua vida e demonstrou coragem rara num combate onde não existia vitória, contra o vírus da Aids. Acho que hoje ele seria um grande portavoz político e ético. Uma pessoa a quem poderíamos confi ar grandes tarefas", afi rma a cantora.
E o cantor Léo Jaime, que em 1981 indicou Cazuza aos meninos do Barão Vermelho, que procuravam um vocalista, testemunha: "Ele era ator no Parque Lage, mas não falava para ninguém de seus escritos. Um dia me pediu segredo e mostrou Down Em Mim no violão. Fiquei chapado, sua primeira música já era uma obra-prima", recorda Léo. "Se for pensar, era um letrista de samba-canção, de sambas tristes. Com ele não era dor, era fratura exposta de cotovelo", diz.
Diretor do tal grupo em que Cazuza fazia teatro e cantarolava antes do Barão, o produtor Perfeito Fortuna conviveu com o poeta numa época em que ele buscava encontrar seus rumos. "Cazuza tinha espasmos de genialidade, extrapolava e contagiava a todos nós. Era de uma sensibilidade mediúnica. Hoje penso que deveria baixar um preto velho, algo assim. Uma manifestação muito poderosa, que não dura para sempre. Como um trovão na floresta", diz Perfeito.
E foi mergulhando nesse universo que o ator Daniel de Oliveira, 30 anos, o Henrique da novela Desejo Proibido, transformou-se no ídolo com atuação premiada no fi lme Cazuza - O Tempo Não Pára (2004).
"Cazuza me nutriu muito com música, poesia e literatura. O universo 'beatnik' e a música de Hendrix e Joplin. Ele me deixou essa gana de aproveitar as coisas ao máximo, sempre", afirma Daniel.
Nome fundamental do rock brasileiro, o músico Lobão, que nunca andou com a "tchurma" de Cazuza, tornou-se seu grande amigo desde a primeira vez em que se falaram, no Baixo Leblon, onde não raro terminavam a noite cantando boleros no piano do extinto Real Astoria.
"Teve uma época em que éramos atração turística no Baixo. Tínhamos um código de relação peculiar, a gente se sacaneava. Quando o conheci, disse: 'Até que você escreve diretinho'. E ele já botou o dedo na minha cara: 'Direitinho é o c...'. Tenho saudades dele chegando na minha casa para compor", lembra Lobão, sobre a parceria que gerou, entre outras, a canção Mal Nenhum.
Em maio, além do grande show cujos detalhes ainda estão sendo acertados, a gravadora Universal lançará DVD com material inédito de dois shows de Cazuza, gravados em 1985, na Praia do Pepino, e 1989, para a Rede Globo, além de um clipe do cantor interpretando O Mundo é um Moinho, de Cartola.
Fonte: Terra Música