Cantor consegue dar personalidade ao Eva e surpreende como compositor pop
Liberdade é uma das palavras preferidas do cantor e compositor Saulo Fernandes, 30. Especialmente agora. Seis anos após assumir o vocal do Eva, ele acha que daqui pra frente tudo será diferente. O vocalista, enfim, conseguiu imprimir a sua personalidade à banda e, ao realizar isso, expandiu uma liberdade que já existia e se tornou mais seguro do que quer.
Gravado ao vivo no Citibank Hall, em São Paulo, dias 17 e 18 de julho de 2007, o bom DVD (e CD) Veja alto, ouça colorido (Som Livre, Eva e Caco Discos) é um divisor de águas na carreira de Saulo Fernandes e a Eva, metade dela composta por músicos que estão com o cantor desde a Chica Fé, sua primeira banda (hoje, liderada pelo irmão Sérgio Fernandes).
“É um trabalho sem precedentes para a gente, mais autoral e com a minha cara. É o primeiro start para o futuro. Os seis anos no grupo serviram como formação. Para você ter uma idéia, quando cheguei no Eva as pessoas perguntavam para mim: “Cadê Ivete?”. Era um peso assumir uma banda que foi de Ivete, ela tem uma imagem muito forte”, afirma o artista.
Na verdade, o Eva teve vários vocalistas em 28 anos de existência (Durval Lelys e Ricardo Chaves entre eles), mas ninguém marcou tanto quanto Ivete. Antes do cantor atual, a banda fez uma rápida e frustrada experiência com Emanuelle Araújo. Não por acaso, a pop star Sangalo se mostra feliz com o sucesso de Saulo Fernandes à frente do grupo que a projetou.
O dueto com a amiga em Não precisa mudar, no DVD Ivete Sangalo ao vivo no Maracanã, tornou Saulo Fernandes mais conhecido no mainstream e o revelou nacionalmente como compositor. A canção, uma parceria com Gigi, foi um dos destaques do DVD mais vendido no Brasil o ano passado: 554 mil cópias (campeão do catálogo mundial da Universal Music em 2007).
“Temos uma relação de carinho. O fato de eu cantar na mesma banda que Ivete cantou nos aproximou e, com o tempo, descobrimos afinidades musicais e nos tornamos amigos”, diz.
Ivete confirma a afeição: “Saulo é massa. Tem os pés no chão e a voz nas nuvens. Canta muito lindo e compõe com uma leveza de dar gosto. Somos amigos, amigos na real. Passeamos, tomamos sorvete, banhos de mar, batemos papos bem divertidos e, ainda por cima, nos deliciamos com um prazer comum, a música”.
Não precisa mudar, uma gostosa baladinha pop, também integra o repertório do DVD/CD Veja alto, ouça colorido e tem versos reveladores sobre o espírito romântico de Saulo: “Não precisa mudar/ Vou me adaptar ao seu jeito/ Seus costumes, seus defeitos/ Seus ciúmes, suas caras/ Pra que mudá-las?/ Não precisa mudar/ Vou saber fazer o seu jogo/ Deixar tudo do seu gosto/ Sem guardar nenhuma mágoa/ Sem cobrar nada/ Se eu sei que no final tudo fica bem/ A gente se ajeita numa cama pequena/ Te faço um poema, te cubro de amor...”.
Cama pequena é melhor para o amor, Saulo? “É, você não tem pra onde fugir, como se afastar depois de alguma discussão. É cara na cara, hálito no hálito (risos). São versos lúdicos para falar sobre relacionamento e tem a ver com amadurecimento pessoal, com processo de mudança, com aceitar quem a gente ama por inteiro, com suas virtudes e defeitos”.
Amor e poesia - O romantismo do cantor revela-se não só nas baladas (que compõem boa parte do set list do DVD), mas também no modo como esse virginiano fala sobre a vida, poesia e família. A entrevista é dada por celular, enquanto ele se dirige à Praia de Guarajuba com um sobrinho e o filho João, 10, fruto de uma união de seis anos com a capixaba Luíza.
“Depois de Luíza, que hoje mora em São Paulo, fiquei três anos com uma garota e voltei para a casa dos meus pais. João mora comigo. Gosto da vida em família. Agora mesmo, minha mãe fez uma vitamina de banana (risos)... A felicidade profissional também é reflexo disso”, diz Saulo, natural de Barreiras (Ba) e filho de uma professora e de um contador.
Em três momentos do DVD, o vocalista intercala canções recitando versos de sua autoria. A intenção, adianta, é publicar um livro de poemas. O gosto de Saulo pela poesia não é novo, mas ele se aprofundou no gênero desde que se tornou amigo de Daniela Mercury. Ela o apresentou de cara aos poetas Fernando Pessoa (1888-1935) e Augusto dos Anjos (1884-1914).
“A poesia mudou até o meu modo de ver as canções de Caetano Veloso e Chico Buarque. As letras de Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante, dos Los Hermanos, também me deixaram em estado de choque”. Saulo, certamente, foge dos clichês de vocalista de axé tanto no seu som com influência de black music, quanto na performance de palco e nos gostos pessoais.
“É sempre bom fugir de estereótipos. Eu sei que os cantores de axé são taquicardíacos, muito velozes (risos). Eu sou cantor de música de Carnaval, mas sou um cara desacelerado, sereno. Acima de tudo, sou um servo da música. Tenho a liberdade de não me prender a rótulos. As paredes já não são tão duras e eu não creio em coisas preestabelecidas”, responde.
Que ninguém entenda as palavras de Saulo como críticas aos colegas da cena axé. Pelo contrário, ele presta reverência a vocalistas como Bell Marques, Durval Lelys e Ricardo Chaves. O que o ascendente líder do Eva faz é explicitar a sua personalidade, suas particularidades e, com isso, ele ajuda a música pop baiana de apelo carnavalesco a se diversificar.
Fonte: Correio da Bahia