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Música do Brasil

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Simone e Zélia Duncan trocam figurinhas em CD

Encontro de gerações e estilos traz bons momentos para as duas

O tão esperado registro do encontro de Zélia Duncan e Simone começa a ser conhecido. O CD Amigo é casa, pela Biscoito Fino, antecipa o grande momento que será o lançamento do DVD no próximo mês. Simone e Zélia se juntam em um disco simples, um ao vivo feito para comemorar e somar. As diferenças aqui contam a favor e não estão maquiadas.

Zélia olha a música como uma menina. Ouvidos curiosos e atentos ao diferente e ousado, tem um gosto especial por misturas, experiências. Já Simone tem um perfil de uma senhora cantora, mais conservadora em seus trabalhos e sem grande vontade de transgredir. Alguns escorregões no repertório da década de 80 não apagam o brilho e, hoje, ficam apenas latejando nas FMs como uma fase do passado.

O encontro que parecia improvável aconteceu, e o efeito acabou sendo ao contrário. Não surpreende ouvir Zélia trazendo autores como Itamar Assumpção, Luiz Tatit e Alzira Espíndola, mas é diferente e bom ver uma Simone rejuvenescida homenageando Cássia Eller em Gatas extraordinárias, de Caetano Veloso, e na ousada e frenética Ro Ro de Agito e uso. O encontro em Meu ego, de Roberto e Erasmo, resume o ponto de interseção entre os dois universos: tem elementos Zélia, tem cara de Simone.

As diferenças de visão são naturais nesse encontro de duas artistas de personalidade forte e gerações diferentes. Simone é de uma época de que as gravadoras faziam grandes investimentos em marketing, Zélia é de uma fase em que o artista tem que produzir e batalhar pelo próprio trabalho. Zélia é cria do pop/rock, mas passeia pela tradição do samba, visita o choro, se transforma em muitas sem deixar de ser ela. Simone passeia a grande voz pelos compositores consagrados de sua geração. Ela é porta-voz de grandes e inesquecíveis momentos de Sueli Costa, Gonzaguinha e Ivan Lins. E, vale sempre lembrar, isso não é pouco.

O encontro tem mais a cara de Zélia. Ponto para uma Simone renovada. As duas abrem o show com Alguém cantando, de Caetano Veloso. Seguem com um Gonzaguinha em pegada rock, Petúnia reseda, dos melhores momentos do disco, e que pode ser uma espécie de panfleto desse momento: "Muito que andar por aí / Muito que viver por aí / Muito que aprender / Muito que aprontar / Por aí".

O dueto seguinte traz Simone para o universo pop de Marina Lima com a feminina Grávida. Simone já passeou por repertório de Legião Urbana e Cazuza, mas nunca tão à vontade quanto nessa gravação. Comprovando mais uma vez seu talento de grande cantora soube entrar e entender o clima diferente de seu habitual e confortável ambiente musical. O mesmo acontece com Mãos atadas, composição de Simone Saback vindo do recente repertório de Zélia.

Sozinha no palco, Zélia é mais Zélia ainda. Traz o samba-torto Kitnet, parceria de Alzira Espíndola com o poeta Arruda. A vanguarda encosta no cancioneiro de Guilherme Arantes em momento intimista e emocionado com Cuide-se bem. Outra volta e Zélia traz um Itamar Assumpção cheio de intenções para homenagear Simone: "Na próxima encarnação / Não quero saber de nada / Replay de formiga não / Eu quero nascer cigarra".

Radicalizando, Zélia encara o cantar falado de Luiz Tatit em A companheira. O encarte facilita as contas: são dezoito estrofes com cerca de 80 versos sem seguir métricas e nem puxar refrões durante seis minutos. Seu público já espera movimentos ousados da artista que aproveita sua popularidade para trazer sempre novas informações musicais.

Os números solo de Simone já vão por outro caminho. Quem está ali é a grande cantora em seu olimpo dos compositores consagrados rasgando mais um Gonzaguinha, dessa vez o tradicional romântico, em Diga lá coração. Segue pela magistral parceria de Sueli Costa e Tite Lemos em Medo de amar nº 2. Aí já estava consagrada e com o público na mão, mas ainda retoma Encontros e despedidas, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Só (novamente como fosse pouco) para lembrar que é ela a cantora que lançou a música no início da década de 80.

O final em clima de festa fica com um clássico absoluto de Simone, Tô voltando. As duas juntas no palco celebram o encontro, a admiração. Zélia é fã que reverencia seu ídolo. Simone é personagem importante da história da boa música brasileira que ousa (bem) passear por outro universo. Simone e Zélia são colegas que trocam figurinhas e criam juntas. Amigo é casa celebra esse encontro de dois caminhos tão diferentes. O tempo é de curtir o momento da dupla, que depois as duas voltam aos próprios rumos.

 

Fonte: ZiriGuidum